por Fatima Flórido Cesar
Eu teço sonhos e deles eu preciso cuidar porque são minha entrada para a realidade.
Os sonhos preparam o fazer, o existir; inventam caminhos que ora se dão em terra firme, ora se dão em barcos desbravadores. Os sonhos nos conduzem para o mais além, porque nascemos com a vocação para desdobramentos em infinitas bifurcações.
Mas chega a hora de voltar para casa.
Então, nem tanto ao mar, nem tanto à terra; todas as aderências são perigosas, mesmo que o projeto seja um viajar incessante. Pois a vontade de ir perde seu potencial de novidade, caso se transmute em furor e em esquecimento do lar.
Esse deslocamento infindável nos engana: tem ares de saudável liberdade, de desapego. Entretanto, a aderência se apresenta pelo furor de movimento incessante: a adesão à vontade de partir. É no entre, no relativo, que podemos ficar confortáveis: a saúde e o bem viver se situam no trânsito e no possível.
Porque o sonho é manso, ele garante o tal possível. Imaginarmo-nos de determinado modo, alto ou distante do que se é, é fruto das armadilhas das idealizações, estas distintas do sonho. Se, por um lado, o ideal do eu nos oferta o cultivo de ideais, por outro, nos aprisiona se queremos ser de tal jeito, de um modo que se distancia do simplesmente ser.
Uma coisa é sermos idealistas, modo de ser sempre bem-vindo, outra coisa é a fixidez nas idealizações. Embate difícil este entre querer ser longe de sua própria natureza e sossegar no próprio modo de existir, naquilo que nos cabe. Nada fácil, pois para essa tarefa precisamos começar a nos desvencilhar dos mandatos parentais, daquilo que nossos pais sonharam em nós.
Na verdade, um tanto do que se teceu enquanto fomos gestados e cuidados precisa permanecer. É nossa herança. Mas o que se quis demais, a missão que nos foi destinada: é nosso trabalho disso nos afastarmos até chegar ao possível, ao encontro das águas da originalidade com a tradição.
Sossegar: das alegrias mais genuínas é essa que nos reconcilia com nosso tamanho, com o que nos cabe, sem abrir mão do mais além que nos é destinado. Mais um paradoxo, esse entrelaçar do voo com o pouso, com o andar, com o mancar: a alegria do possível.
Fátima, seu texto me atingiu, pra variar...rs Adorei o projeto do blog! Bjo!
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