O poeta é um fingidor.
Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(uma confissão de) Fernando Pessoa
Mentir, palavra feia, nada mais é do que criar uma ficção e fingir que ela é a realidade. Já ficção é palavra bonita.
Para criar uma ficção é preciso imaginação, fantasia. O futuro, por exemplo, é uma ficção. Apenas podemos imaginá-lo e tentar acreditar nessa mentira até que ela se torne real ...ou não.
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| Nelson Rodrigues: "sem sorte você não atravessa a rua"" |
Eu, por exemplo, fico o tempo todo inventando histórias. Adorava fazer viagens longas de ônibus (para o Fundão, por exemplo) passando um tempão ficcionando. Nem sei quantas vezes fui presidente, técnico de futebol e namorei alguma menina de quem nunca tive coragem de me aproximar.
Todos inventam histórias, até quando não querem. Ao ser apresentado a uma pessoa, cria-se toda uma fantasia sobre ela, mesmo inconscientemente. Essa fantasia vai se aprimorando, se corrigindo ou criando novos enganos à medida que mais informação sobre a pessoa surge. E acreditamos nessa nossa fantasia para poder de cara gostar ou não da pessoa, para poder reagir "adequadamente" à sua conversa, entre outras coisas.
Isso é uma coisa; outra é substituir o real por fantasias, mentiras.
| Foto by Adrian Michael - Own work, CC BY 2.5, Link |
Sei que a vida de muita gente fica mais simples de ser levada por acreditar nessas narrações que podem ser que sejam apenas ficção (não usei a palavra mentira porque é feia). Ou seja, é mentira que toda mentira seja ruim; é verdade que existem mentiras boas.
Disso ninguém escapa. Estamos o tempo todo acreditando em mentiras bondosas que suavizam a nossa vida. Principalmente mentiras que inventamos sobre nós mesmos.
Ah, claro! com exceção de você, querida leitora, e de você, querido leitor.
No cinema... com Ozon
Essa semana fomos ao cinema (coisa rara) e adoramos (coisa mais rara) o filme: Frantz, de François Ozon.Não fui pela sinopse publicada. Todas são sempre tão inexpressivas que são um dos motivos de eu ir tão pouco ao cinema. Fui porque o Ozon é um dos meus cineastas contemporâneos prediletos (um dos três... ou quatro...).
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| Ozon aos 45. Agora tem 50. foto by Georges Biard, CC BY-SA 3.0, Link |
Talvez seus filmes não mereçam 5 estrelas, mas ele sim. Não, essa não é uma versão moderna do antigo dito "o filme é uma merda, mas o cineasta é gênio". Seus filmes são de BOM para MELHOR, porém ainda não dá para ele entrar no panteão dos deuses sagrados da sétima arte. Mas não perco um.
Esse é o 16º e penúltimo filme dele. Muitos não passaram aqui. Esse, por exemplo, está passando meio despercebido... O último dele é L'Amant Double que ainda não chegou aqui no Bananão, mesmo tendo causado frisson em Cannes.
Seu filme que mais me impactou foi Dentro da Casa (Dans la Maison - 2012). Imperdível. Como (ex-)professor, me identifiquei com o filme por conta da relação professor-aluno, complexa graças a excepcionalidade do aluno e o desejo do professor de lapidar esse (possível) diamante. Mas isso é assunto para um outro post. Prometo.
Frantz, o filme, de que se trata?
O que há em comum entre esses dois filmes é a confusão causada pela diferença (em um) ou semelhança (no outro) entre as histórias contadas pelos personagens e a realidade por eles vivida. Em Dentro da Casa, o assunto é a interferência da ficção na realidade. Já Frantz mostra a tendência que as pessoas (incluindo personagens e espectadores) têm de preferir a ficção à realidade.Por isso subtitulei com "o elogio à mentira". Confesso que é meio exagerado esse subtítulo, mas destaca o que mais o filme me fez pensar: o quanto as pessoas preferem substituir a realidade por fantasias.
Não, o filme não é sobre religião. Há uma cena importante, não fundamental, onde um padre confessor generosamente propõe o caminho a ser seguido. Não pude deixar de pensar que, no fundo, padres vivem de vender uma grande fantasia, uma mentira total, que conforta e traz consolo ao disparate que é a vida.
Perdão foi feito pra gente pedir
Outro tema principal do filme é o perdão: a necessidade de se ser perdoado e de se perdoar. O cristianismo, pelo menos teoricamente, é o grande patrono desse refrão. Palmas aí. Sofremos quando não somos perdoado e nos libertamos de pesos quando perdoamos. O contrário, a manutenção do rancor, é danoso para os dois lados (ambos simples pecadores). O filme exemplifica isso, não apenas na animosidade que causou a guerra (primeira mundial), como o ódio ressentido do pós-guerra. A própria história contada no filme também mostra o efeito do perdão.Soube outro dia de uma pessoa que anota tudo que de mal fazem a ela: "porque, se você esquece, acaba perdoando..." ! Eu não anoto e tenho péssima memória. Quando vejo, já perdoei.
Ok, menti. Eu perdoo, mas trago uma fichinha preta no coração com a lembrança do que senti.
Não é só de mentira e perdão que o filme trata. Posso enumerar aqui a condição feminina, o absurdo da guerra, o pacifismo e o nacionalismo. Tudo mostrado sem discursos didáticos, só situações plausíveis e imprescindíveis na história.
Em muitas resenhas, o luto é citado como um dos temas deste filme. Não dou esse destaque, prefiro destacar a culpa, justificada ou não, sempre envolvida no luto. O filme, aos meus olhos, me pareceu destacar mais a dor da culpa do que a dor da ausência. Para a culpa, nada como o perdão.
O assunto
A história é bem simples (pode deixar que não vou contar), seu desenrolar é previsível. Ozon, todavia, nos embaralha com pistas falsas e, assim, fica difícil parar de prestar atenção. É o tal suspense: suspensão dos nossos intelecto e instinto. O espectador está sempre pronto para preferir e aceitar as opções mentirosas.
Frantz é inspirado em uma peça de teatro francesa de 1931, que rendeu, em 1932, o filme americano Broken Lullaby, de Ernst Lubitsch. O filme americano foi proibido na Tchecoslováquia por ter conteúdo pacifista.
A trama se passa após a primeira guerra mundial. Em uma cidadezinha da Alemanha derrotada, os moradores ainda estão ressentidos com os franceses que nas batalhas mataram seus filhos. O túmulo do tal do Frantz, dado como morto na guerra, é cuidado por sua noiva Anna, que, desde a partida de Frantz, mora com os pais dele. Ela é a personagem principal.
A atriz que representa Anna é Paula Beer, alemã de 21 anos, com uma presença marcante na tela. Ganhou atriz revelação no Festival de Veneza por esse papel.
Há o encontro com Adrien, um francês que se apresenta como amigo de Frantz, transtornado pela morte deste. Os alemães da cidadezinha recebem-no muito mal. Adrien é interpretado por Pierre Niney, conhecido especialmente por ter feito Yves Saint-Laurent. O ator diz ter aprendido violino e alemão para fazer o filme do Ozon. Acreditei.
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| Pierre Niney as Yves Saint LaurentTHIBAULT GRABHERR/TIBO & ANOUCHKA/SND |
A primeira parte do filme gira em torno da relação entre o francês e o alemão morto e o efeito na família de Frantz da lembrança do falecido causada pela presença de Adrien, o francês.
Na segunda parte, a ação muda para a França, onde se pode notar a destruição ocorrida no seu território, pois foi lá onde as batalhas foram travadas, e a mesma rivalidade e ressentimento que havia nos alemães.
É filme para se ver (e discutir). Sei que o verei de novo. Imagino que depois eu não vá querer alterar o que escrevi aqui. Até porque, se eu errei ou menti, foi para o bem do leitor. Perdoe-me.




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muito bom! Quero muito ver o filme.
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