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domingo, 16 de novembro de 2014

Porta aberta

por Lúcia Mattoso Monte

Quem me conhece sabe que dentre os filmes recentes da Disney/Pixar, o que ganhou meu coração é Valente. Sou bem parcial quando alguns elementos aparecem nos filmes, e o fato de Brave se passar na Escócia (com direito a sotaque carregado nos personagens) e trazer uma ruivinha empolgadona como protagonista garantiu o topo do meu ranking da última década.

Muita ruivice, guloseimas, tartans e sotaque delícia

Também ajudou eu estar atualmente mais interessada em imagens bonitas combinadas com histórias emocionantes do que simplesmente o número de piadas por segundo nesses filmes de animação (o que já foi um quesito de avaliação na minha adolescência, e nesse ponto A Nova Onda do Imperador provavelmente é o melhor filme da Disney. Ever.).

Por outro lado, quando saí da sessão de cinema em que vi esse longa protagonizado pela princesa Mérida, parte de mim sentiu uma leve frustração nostálgica, pensando que "não se fazem mais musicais de animação como nos anos 90". Eu gosto das canções de Brave, são tão bonitas quanto a animação. Mas para quem viu na infância lançamentos como a Bela e a Fera, Aladdin e Rei Leão, um desenho simplesmente não é tão empolgante sem a catarse musical de ter o protagonista narrando seus sentimentos sobre uma melodia impactante.



Pois bem, essa frustração se resolveu com Frozen. Filme que nem vi no cinema, por ressalvas que criei dada minha própria afeição pela "Valente" princesa Mérida. Eu impliquei com o discurso de que "Frozen quebra o paradigma da princesa que precisava se casar para viver feliz para sempre" porque... a Mérida já tinha feito isso! Aliás, sou da turma que acredita que a força das princesas já vem sendo trabalhada há muitos longas da Disney... Enfim, estou aqui para falar das músicas e não para me justificar por essa implicância infeliz, totalmente eliminada após ver o longa (que me ganhou na cena em que apareceu um quadro do Fragonard!).

Cena da canção "For the first time in forever" - a pintura francesa do século XIII é muito apreciada em Arendelle

As canções são o grande mérito de Frozen, que faz um excelente trabalho em combinar harmonia, melodia, letra e animação para transmitir o sentimento exato ao espectador. Tirei meu chapéu quando vi o vídeo abaixo, em que um professor de música da Williams College analisa cada um desses elementos em Let it Go e mostra por que tudo faz sentido naquela cena. (Infelizmente não tem legendas)



A minha música preferida do filme é o dueto entre Anna e Hans chamado Love is an Open Door, e simplesmente não descansei até conseguir convencer o Bernardo a gravar uma brincadeirinha caseira  em cima dessa música. Quem quiser me ver (tá mais pra ouvir na verdade) pagando mico pode apertar o botãozinho abaixo!



Que o sucesso indescritível de público que Frozen conquistou deixe as portas abertas para novos bons musicais de animação.

domingo, 9 de novembro de 2014

O Misterioso Caso de Styles

O primeiro Agatha Christie é bom?

por Luiz Carlos Monte
Agatha Christie - O Misterioso Caso de Styles


Nunca tinha lido um livro da Agatha Christie. E eles eram uma febre lá em casa. Minha mãe, por exemplo, diz que leu todos (acredito que tenha lido todos que estiveram ao seu alcance, não os 66 romances de detetive que a Agatha escreveu). Eu implicava com best-sellers...
E põe best seller nisso! O Guinness a aponta como o autor mais vendido do mundo, com mais de 4 bilhões de exemplares.
Nunca é tarde para começar e resolvi começar do começo: O Misterioso Caso de Styles, o primeiro livro dela, escrito em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial.
Gostei. Talvez não o suficiente para me tornar um aficionado. É o primeiro livro que ela escreveu, provavelmente seu estilo foi se aperfeiçoando com os anos. Mas para uma estreia, é um tanto inesperadamente perfeito.

Poirot entra em cena

Já nesse primeiro livro, ela apresenta quem se tornará o seu detetive mais famoso: Hercule Poirot. Suas características físicas, sua personalidade e seu método são introduzidos aí para todo o sempre. Também é justificada a sua origem. Poirot é belga, mas devido à guerra encontra-se refugiado na Inglaterra.
Poirot era um homem extremamente baixinho. Não deveria ter mais do que 1,60m, mas tinha seu orgulho próprio e andava de cabeça erguida. Sua cabeça tinha o exato formato de um ovo, mas ele nunca ligou para isso. Tinha um estilo militar; a limpeza de suas roupas era de invejar, acredito que causaria mais dor nele uma mancha de sujeira do que um tiro. Este homenzinho esquisito, que mancava um pouco, foi na sua época um dos melhores membros da polícia Belga. Como detetive tinha um talento extraordinário, conseguindo resolver casos complexos e emaranhados.
Outro personagem que ela produz para aparecer em várias histórias é o narrador desta história: Arthur Hastings, um oficial do exército inglês que, de licença para tratar da saúde, aceita o convite de seu amigo John Cavendish para descansar em Styles, uma mansão rural típica da época no interior de Essex. Nesse livro ele tem veleidades de investigador, o que acabará se tornando em outros livros.

A fictícia Styles fica em Essex
Dois policiais da Scotland Yard também aparecem no meio da história, com muito menor importância e caracterização. Todavia, um deles, Inspector Japp estará presente em outras histórias, conforme pesquisei.

Kobo

Para ler, usei o leitor de livros digitais Kobo que ganhei de aniversário. Nele armazenei uma infinidade de livros digitais. O nome Agatha é um dos primeiros a aparecer em ordem alfabética...
kobo
O livro no kobo
Comecei com uma versão em português. Até que cheguei a um parágrafo que simplesmente não consegui entender, pior do que os anteriores. Como tinha o original em inglês, fui verificar e vi que estava perdendo muito lendo em português. Traduções erradas, trechos omitidos e o estilo original perdido. Recomecei o livro, agora na sua versão original, em inglês. Como o Kobo tem dicionários embutidos, acessáveis por um toque nas palavras, não foi tão difícil quanto esperava.
Demorei mais, evidentemente. Nem sempre uma palavra era encontrada no dicionário, que mesmo assim é muito bom. Não tanto quanto a versão paga do Babylon que tenho no notebook e que também é acessível com um clique do mouse (mas não funciona no Chrome!!!).

Os personagens


Como não posso ler de carrada – passo até dias sem poder pegar no livro – o que me atrapalhou muito foram os nomes dos (poucos) personagens. Ora são identificados pelo nome completo, ora pelo sobrenome, ora pela sua relação de parentesco, etc. Eles são introduzidos todos de uma só vez, quando Hastings, o narrador, chega a Styles e é apresentado aos próprios. A partir daí, é a memória do leitor que vale.
Listo os personagens (com fotos de atores obtidas em http://de.agathachristie.wikia.com/) para ajudar os futuros leitores. São:
  1. Arthur Hastings (Hastings) – o narrador, amigo de John e de Poirot.
    Hastings e Poirot (Hugh Fraser e David Suchet)
  2. John Cavendish (Mr. Cavendish; John) – amigo de Hastings, convidou-o a passar sua licença médica em Styles. Encontra-se em situação pré-falimentar.
    John Cavendish (David Rintoul)
  3. Emily Inglethorp (Mrs. Inglethorp;  Emily) – a madrasta de John, viúva do pai de John, casou-se pela segunda vez e mudou o sobrenome.
    Emily Inglethorp (Gillian Barge)
  4. Evelyn Howard (Evie; Miss Howard; Evelyn) – o eficiente braço direito de Emily na administração dos negócios.
    Evelyn Howard (Joanna McCallum)
  5. Alfred Inglethorp (Alfred; Mr. Inglethorp) – o novo marido de Emily, apresentado desde o início como um aproveitador, 20 anos mais novo que sua rica esposa. Todos, exceto a matriarca, o odeiam. Torna-se suspeito, para o leitor (através de Hastings, que conduz o leitor pelos acontecimentos) desde o início, antes mesmo de haver qualquer crime. Diz-se parente distante de Evie, que alega não o conhecer.
    Alfred Inglethorp (Michael Cronin )
  6. Cynthia Murdock (Cynthia, Miss Murdock) – enteada de Emily, que trabalha em um hospital da Cruz Vermelha (onde há venenos...!).
    Cynthia (Ally Byrne)
  7. Mary Cavendish (Mrs. Cavendish; Mary) – a esposa de John, que, sedutora, encanta Hastings. Este, por sua vez, releva sempre as ações dela. Este fraco por mulheres bonitas será um traço da personalidade de Hastings presente em outras histórias com ele.
    Mary Cavendish (Beatie Edney)
  8. Dr. Bauerstein – sumidade em venenos (!), recebe uma atenção mais do que especial de Mary Cavendish, o que causa ciúmes e suspeita em Hastings.
    Capa da edição alemã com os medicamentos de Emily
  9. Lawrence Cavendish (Lawrence) – irmão de John. Ambos são filhos da primeira esposa do pai. Quando, após a morte dela, o pai se casou com Emily, e posteriormente morreu, a propriedade de Styles passou para Emily.
    Lawrence Cavendish (Anthony Calf )
  10. Hercule Poirot – famoso policial belga. Coincidentemente está na cidade próxima a Styles e sob a generosidade de Emily Inglethorpe.
    Hercule Poirot
  11. Empregados da casa, com destaque para a chamada Dorcas.
A matriarca Emily é intempestiva e muda seu testamento a cada briga. Só que...
...

Qualidades

A narração de Hastings, como disse, tem o propósito de conduzir as suspeitas do leitor. Mas estas suspeitas também são suspeitas, pois ele não tem método, ao contrário de Poirot. Este manobra o raciocínio de Hastings e até os próprios acontecimentos, mantendo o segredo de suas reais deduções até o final.
Simples, né? Só que não!
Tudo, cada palavra, cada linha, cada fato no livro é importante para o desfecho brilhante de Poirot. E não há perigo do leitor se esquecer de algum desses fatos (ok, nem todos...), pois o próprio Poirot frequentemente os retoma, infelizmente nos levando também para pistas falsas (arenques vermelhos, em inglês; peixes usados para fazer cães farejadores perderem uma pista). O próprio ato de não revelar e até manobrar as suspeitas acaba sendo justificado tintim por tintim pelo Poirot ao final do livro.
Aí está o grande mérito do livro. Os dados estavam lá, mas o leitor é incapaz de decifrar a realidade. Lógico que Poirot apresenta provas que não estavam acessíveis ao leitor e ao Hastings. Mas as conjecturas do que ocorreu poderiam ser feitas pelo leitor. As pistas falsas, na verdade, eram hipóteses que precisavam ser analisadas, e então aceitadas ou refutadas. Mas acabavam desviando a atenção do leitor de outras hipóteses.
Ela escreveu esse livro por conta de uma aposta de que poderia mostrar todos os fatos e, mesmo assim, o leitor não desvendar o mistério. Ponto para ela. O livro é muito boa diversão.
Mas nem tudo são flores. Não gostei e não aceitei certas manipulações do Poirot que poderiam afetar o destino dos indivíduos. Embora ele tenha sido movido pelas melhores intenções, achei prepotente e arrogante. Algo como um super-homem. Porque... e se ele morre no meio do caminho...

Ah! Leiam o livro!...

Styles é, portanto, o cenário do primeiro caso de Poirot. A mesma casa é também cenário do seu último caso, Curtains (Cai o pano), no qual ele morre, após 33 romances e 54 contos. O obituário de Poirot saiu na primeira página do New York Times, que, além desse, nunca publicou obituários de personagens fictícios.