A canção de McCartney sobre sua saída dos Beatles
Conto no texto abaixo
a história que está por trás da
minha versão da música
Man we was lonely
de Paul McCartney.
Publiquei no meu canal do youtube um vídeo Nóis tava sozim com essa música em português.
Aqui eu conto a história dessa canção e falo sobre a feitura do nosso vídeo interpretando-a.
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Paul: "Man, we was lonely!"
Solidão. É o que expressa a canção "Man We Was Lonely", do primeiro disco solo de Paul McCartney após a separação dos Beatles.
Superação também. A canção fala sobre como a vida familiar e amorosa tirou-o da fossa e ele pode voltar a produzir.
Aqui conto um pouco do que sei sobre essa história e como nós fizemos um videozinho cantando essa música em português.
Para quem ainda não assistiu o nosso vídeo
Aproveite e deixe um comentário lá no youtube, um like, etc.
O contexto
O long-play McCartney foi gravado em 1970. Paul tocou todos os instrumentos e cantou sozinho, em sua própria casa.
capa do LP (álbum) McCartney de 1970
Em setembro do ano anterior, 1969, John saíra dos Beatles, embora não publicamente. Paul passou em seguida por um momento de depressão e insegurança por ter perdido o único "emprego" que ele tivera na vida. Embora ainda em segredo, a banda Beatles estava na prática desfeita. Mais tarde, em 2001 ele disse para sua filha Mary que "quase ficou louco" pela dor de perder a banda e os amigos.
Após um período meio entregue ao álcool, Paul, através da vida familiar e da volta ao trabalho de compor e interpretar, sentiu ter superado esse momento.
Essa dor e a sua superação é que inspirou "Man we was lonely".
Gravação original
Paul evitou que essa canção fosse melancólica. Ela é harmonicamente bem simples, em tom maior no seu refrão repetitivo, e nele frisa a solidão sentida, "mas que agora está tudo bem". Tão simples, que ele afirmou que tinha o ar caipira que ele queria.
Em outro comentário sobre a música, ele sugere que a inspiração base veio com a frase "we was hard pressed to find a smile" que, embora a achasse piegas, ele gostou por descrever bem os sentimentos que sentira. Algo como "nós éramos forçados a achar um sorriso" (para dar ou para receber? Provavelmente as duas possibilidades).
Nós quem?
Aqui noto o uso ambíguo de "we" / "nós" que tanto pode representar "eu", como "os Beatles" ou mesmo "ele e a família juntos".
A construção "we was" propositadamente errônea ("nós estava"), que ele emprega no título e nesse verso chave ("we was hard pressed..."), ajuda essa ambiguidade e proporciona o tal "ar caipira" que justificaria a música ser simplória, como fosse uma brincadeira. O objetivo dele foi, com esse truque, criar um distanciamento entre o resultado da canção e o sentimento de dor inspirador inicial. Note que isto é oposto ao que John Lennon veio a produzir nos seus doridos e confessionais primeiros trabalhos solos.
A separação
Após a morte do empresário deles, Brian Epstein, em 1967, os negócios da banda ficaram sem rumo. Ficando claro, inclusive, alguns insucessos financeiros, Paul sugeriu que o pai de Linda, sua esposa, assumisse o papel empresarial. Uma desconfiança entre eles surgiu, provavelmente por conta do estilo bossy (de chefe) que frequentemente Paul assumia, certamente por ser o mais dedicado.
Lennon consultou Mick Jagger sobre um ex-empresário dos Stones, Allen Klein. Jagger admirava a eficácia dele em negócios, mas não a sua honestidade, tendo os Stones acabando por ter que demitir Klein.
Lennon acabou convencendo George e Ringo a contratarem Klein, porque se não o fizessem estariam falidos em menos de 6 meses. Paul entrou em desacordo.
Paul, na época da canção, explicou que por questões técnicas não podia processar Klein, que legalmente não participava dos acordos da banda, tendo, por final, que processar os Beatles, ou seja, seus melhores amigos, para poder romper os acordos. E este seria o motivo de ter ficado tão devastado.
A feitura da canção
No dia do álbum ser fechado, Paul compôs o refrão e a introdução/conclusão de "Man we was lonely", ainda na cama ao acordar. Musicalmente mais uma de suas canções de music-hall, como seus críticos logo mais declarariam. E talvez a pior delas, disseram.
É claro que as expectativas dos críticos eram muito altas. George e John, nos seus lançamentos solos dessa época, excediam em qualidade. Mas...
- a suave introdução instrumental - que ele repetia na conclusão dessa música - era extremamente agradável e colava nos ouvidos.
- Em seguida o refrão, que se repetia 3 vezes na gravação, era divertido, para cima e também colava. Mesmo estando no baixo nível de qualidade de "All together now".
No horário de almoço, Paul compôs a bridge, ponte de ligação entre esses refrãos, com muita pressa.
- Na bridge a música modula para o tom menor e desliza suavemente cantando o lamento de ele ser agora um músico solitário, para terminar declarando as vantagens do home-office, que permite tempo para viver com a família, e, preparando na harmonia, a entrada para a volta do tom maior da repetição do refrão.
Sendo o refrão cantado 3 vezes, a bridge entre eles ocorre 2 vezes, contribuindo mais com sua beleza ao restante da música. Mas Paul, quando repete a bridge, omite exatamente a letra melodiosa.
- No lugar toca um suave solo de guitarra. Mas ele tinha que ser diferente. O solo é tocado em slide em uma guitarra Telecaster normal e, em vez de bottleneck para fazer o slide nas cordas, ele usa uma baqueta de bateria.
Parte do press-release do álbum em que Paul comenta sobre essa canção
https://www.the-paulmccartney-project.com/_images/wp-uploads/2022/03/image-249-736x1024.jpg
A nossa versão
Em 1970 mesmo, comprei o disco (LP). Não foi uma boa surpresa. Achei descartáveis algumas faixas. Outras, adorei. Essas foram Maybe I'm amazed, Junk e Every night. Com o tempo passei a gostar das que pareciam apenas bobinhas, dentre elas Man we was lonely.
Ano passado, 2023, passeando pelo youtube, fui parar em uma gravação diferente em que a introdução (e conclusão) tinha um coro vocal por cima da melodia instrumental do Paul. Daí surgiu-me a ideia de fazer um coro de 4 vozes semelhante. Essa ideia me animou a gravar a canção. As quatro vozes acabaram ficando com duas pessoas (Lúcia e Adriana), duas vozes cada. Foi um período difícil de engajar mais pessoal.
Para dar uma contribuição maior, decidi fazer uma versão em português. Isso sempre me dá um grande prazer (assista aqui). E um grande trabalho adicional, pois tento caprichar na métrica, nas tônicas, rimas e sonoridade originais. Capricho raro em versões de canções.
A primeira questão é como deveria traduzir a própria expressão "we was" do título e usada várias vezes no refrão. Normalmente o Paul deveria usar "we were" ("nós estávamos") ou "I was" ("Eu estava"). Misturando as opções, ele conseguiu o que queria.
Lembrei do "ar caipira" mencionado pelo próprio Paul e tasquei um "Nóis tava sozim" bem roceiro que respeitava a métrica e as tônicas de "Man we was lonely"; o mesmo para "And we was hard pressed to find a smile", traduzindo para "E nóis tentava um sorriso achar" (com ajuda da Adriana).
Para deixar claro que a ortografia usada foi proposital, decidi que o arranjo do refrão seria caipira. Até o r de achar seria pronunciado molhado para distanciar do meu r carioca. Nada novo: os Mutantes já tinham feito isso na música 2001.
Mutantes sendo caipiras
Aí surgiu um grande problema: ninguém queria cantar caricatamente comigo esse refrão; e música caipira tinha que ter duas vozes, né?
Sobrou para mim fazer as duas vozes.
Para o arranjo do acompanhamento, quis me afastar dos Mutantes e me inspirei no Calix Bento do Milton Nascimento, onde usam viola, acordeão e percussão marcando um ritmo que se ajustava ao que eu queria. Lógico que eu não tinha os meios, né? Então fiz o som da viola com o meu violão de aço mesmo, além de batidas na costa do violão.
Calix Bento com Milton Nascimento
Em seguida vem a tal bridge, que eu desejava suave e bem cantada. Aí não podia ser eu... Apelei para o Bernardo que topou e fez bonito.
Com isso, o clima já era outro e a volta do refrão eu quis que fosse suave. A Adriana cantou assim.
A ideia é que, após a suavidade, a música tivesse uma agitação crescente sem que o andamento fosse alterado. Por isso, nesse refrão que chamei de suave, coloquei uma guitarra e um baixo tocando algo mais agitado como Lady Madona.
Na volta da bridge, toquei o solinho do Paul, mas sem slide. Achei gostoso de se ouvir. Não sei. Mas é muito gostoso de tocar. Compus o acompanhamento do piano dedilhando o violão e foi um sufoco ENORME aprender a tocá-lo no piano.
Na terceira rodada do refrão, pirei. Virou um charleston, com direito a washboard (que eu amo).
A conclusão é uma repetição invertida da introdução. A conclusão começa com ênfase na guitarra e termina com as vozes predominando; na introdução era o contrário.
O vídeo
A feitura do vídeo foi uma aventura muito maior ainda. Não cabe aqui. Aprendi muita coisa. Pena que eu esqueço rápido o que aprendi...
Contei aqui
a história que está por trás da
minha versão da música
Man we was lonely
de Paul McCartney.
Publiquei no meu canal do youtube um vídeo Nóis tava sozim com essa música em português.
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